Encontro O que é isso de Dança.
Voltando
do Encontro O que é isso? de dança
em Salvador, passei pelo aeroporto de Cofins em Belo Horizonte. No
café bar do aeroporto, vi uma mesa azul cintilante num canto escuro
ao lado da área das outras mesas (que eram da mesma altura da mesa
azul, mas de forma quadrada). Na mesa azul estava escrito: mesa
reservada para deficiêntes físicos. Depois de tantos debates sobre
'inclusão', aquela mesa ali na minha frente foi para mim um objeto
concreto e representativo sobre o que tanto discutimos no encontro de
Salvador: a exclusão pela inclusão! O encontro que se iniciou na
sexta-feira 25 de novembro de 2011, foi aberto com a apresentação
de Pequetitas Coisas Entre Nós Mesmos do Grupo X de Improvisação
em Dança, trouxe Estela Laponi com seu Manifesto Anti-Inclusão
e os Diálogos Cruzados com a participação de Estela, Fafá Daltro,
Lenira Rengel e Edu O., que dividiram com o público as reflexões
que começaram a perpassar o encontro.
Enquanto
percebo a minha impossibilidade em comunicar por completo toda a
complexidade de idéias e da experiência vivida no encontro, me
lembro daquela mesa azul! Aquela mesa azul, por certo não incomodou
a muitas outras pessoas que por ali passaram, porque ela é o senso
comum. O senso comum da idéia de inclusão entendida no nosso meio,
muitas vezes é unidirecional e excludente. É como aquela mesa, que
estava cintilantemente gritando 'olha, aqui estamos cumprindo leis e
reservando espaços para pessoas com deficiências' (físicas), mas
que é mais uma fachada, do que solucionar realmente questões de
acessibilidade. Como por exemplo, esta in-exclusão que se vê nos
ônibus que colocam o símbolo da pessoa com deficiência (PcD) na
porta, mas que na verdade tem dois acentos reservados onde,
cadeirantes não entram! As questões que atravessam o tema inclusão
são muitas. Em primeiro lugar este símbolo que todos usam, este
vibrantemente representado na mesa azul, representa apenas uma
parcela de PcDs. As PcDs são diversas, não são apenas deficiêntes
físicos e nem apenas cadeirantes. Entender esta diversidade é algo
muito mais complexo do que a idéia de inclusão que o senso comum
vem trazendo. Esta idéia de inclusão exclui e perpetua o sentido
falsificado que carrega.
Olhar
para aquela mesa azul, ainda me fez dar rizada, ao me imaginar no
ridículo de estar sentada ali com amigos que recentemente eu tinha
encontrado em Salvador e que são PcDs, como a Estela Lapponi, a
Carol Teixeira, o Edu O. Imaginei que motivo teria para que eles
sentassem naquela mesa (senão o motivo de tirar um sarro, claro!). A
idéia sobre inclusão do senso comum fere um princípio básico que
já foi definido na convenção da ONU sobre os direitos das PcDs e
reinvindicado por tantos movimentos de ativistas na área da
deficiência, o Modelo Social Sobre a Deficiência. O modelo social
entende que 'a deficiência' não é uma falta do indivíduo com
deficiência, mas sim uma falta social. Aquele café bar no aeroporto
poderia ter na sua arquitetura toda a acessibilidade adequada para
pessoas de todos os tipos, não só pessoas com deficiências, mas
também crianças, idosos, pessoas altas e baixas, gordas e magras.
Hoje o conceito de Desenho Universal desenvolve um design de produtos
e serviços que possam atingir à maior diversidade de pessoas
possível, por consequência, também ao maior número de pessoas
possível. Pensar a partir do conceito de desenho universal
é uma forma de abranger uma maior diversidade de pessoas na nossa
construção social. Aquela mesa azul, entre outros tantos exemplos
que se pode dar, estava apenas sinalizando o elefante branco que o
senso comum tem entendido por inclusão! Esta idéia de inclusão
entende que o problema 'da deficiência' é do 'outro' e não de uma
construção social, que é de 'todos'.
O 'problema
da deficiência' é entendida no senso comum como um problema do
'outro'. O 'outro' que está sempre preso no esteriótipo da
superação ou do ser pobrezinho, estranho, inapropriado. O 'outro'
que também se auto coloca nestes mesmos papéis e perpetua a imagem
destes esteriótipos. Enquanto estas questões continuarem a serem
'do outro', vamos estar presos em guetos e nos debatendo contra o
'fantasma da inclusão'. O Encontro O Que é Isso? de Dança, está
na sua segunda edição, sendo que o primeiro aconteceu em setembro
de 2010 com o nome de Encontro de Dança Inclusiva: O que é isso?.
Como fazer com que este encontro seja cada vez mais de participação
'de todos' e não só 'do outro' é algo para ser trabalhado para a
terceira edição. Como fazer com que artistas e produtores de forma
geral se interessem mais em saber e se envolver em um encontro como
este? Como também fazer para que estas questões não sejam
exclusivas de encontros sobre estes temas específicos, mas sim, que
estes temas também estejam presentes em muitos outros encontros e
festivais de dança? Pois é, tive de demorar todo este tempo para eu
poder frizar isto, mas o encontro de Salvador era um encontro de
DANÇA! Inevitavelmente, para que a dança de todos aconteça, ainda
muito tem de ser desmistificado sobre 'inclusão'!
O
encontro seguiu com a manhã de sábado do dia 26, que nos ofereceu
duas propostas diversas de oficina, Estela Laponi e a sua pesquisa -
O Corpo Intruso, e Ana Luiza Reis – O Corpo na Educação. O
Cirandão feito pela tarde, trouxe o trabalho do Projeto Poéticas da
Diferença / ACCDANA59 e os monitores do ACC, que é coordenado pela
Prof. Fafá Daltro na UFBA. Tivemos em seguida a apresentação de As
Borboletas – do núcleo VAGAPARA, um trabalho dos bailarinos Lucas
Valentim e Thulio Guzman cujo processo criativo foi desenvolvido numa
instiuição para deficiêntes intelectuais. A tarde seguiu com a
mesa Espaços (in)acessíveis (Políticas Públicas), com os
debatedores Lucas Valentim, Thulio Guzman, Marília Cavalcante e
Carla Vendramin, e mediação de Carolina Teixeira. O dia terminou
com a apresentação da performance Intento 3257,5 de Estela Laponi.
Fomos apresentados à ZULEIKA BRIT, personagem de Estela , que também
nos introduziu ao pensamento do Corpo Intruso. As performances de
dança do encontro foram apresentadas com audiodescrição e tradução
de libras. Muitos de nós, pessoas videntes, também experimentaram a
audiodescrição feita por Ana Clara Santos Oliveira. A tradução
de libras, feita por Irzyane Cazumbá,
integrava-se de forma sensível e artisticamente construida nas
performances em que estava presente. Os recursos de audiodescrição
e tradução de libras estavam disponíveis não somente ao público
de pessoas com impedimentos visuais e pessoas surdas, mas também ao
público em geral. Estes recursos, como muitas vezes pudemos perceber
nas performances apresentadas, podem ser elementos que também
formatam artisticamente a performance, ao invés de ser simplesmente
auxiliar à ela. Desta forma, estes recursos, além de propiciar a
comunicação com um público específico, cria novas formatações e
estéticas dos produtos culturais.
A mesa
Espaços (in)acessíveis (Políticas Públicas), foi de curta duração
para o tamanho de assuntos surgidos. A inclusão está na moda! Na
mesma semana do Encontro O que é isso ? de Dança, a presidenta
Dilma Roussef havia anunciado sobre os investimentos que o país irá
fazer para a inclusão de PcDs no trabalho e na educação. Mas a
participação de PcDs na arte ainda não está 'na moda'! E o
investimento em dança, esta na 'moda'? Em outubro de 2008 foi
realizado a Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas
Culturais para Inclusão de PcDs: Nada sobre Nós sem Nós. Em agosto
deste ano surgiu o edital Albertina do Brasil, um edital específico
à PcDs, para premiação de trabalhos já realizados, não o
incentivo à criação de novos trabalhos. O edital trouxe vários
problemas a serem discutidos. O mais fundamental de todos é que, se
foi feito a oficina Nada Sobre Nós Sem Nós, porque pensar sobre
editais que favoreçam a participação de PcDs não foi seguido de
acordo com as definições que já haviam sido discutidas na oficina
Nada Sobre Nós Sem Nós? As leis, os regulamentos, as cartilhas de
direito, existem para tudo. Se elas fossem seguidas, muitas dos
nossos problemas sociais estavam resolvidos! A efemeridade e
ineficiência das ações enfraquece muito o desenvolvimento de
mudanças consistentes. A oficina Nada Sobre Nós Sem Nós gastou
recursos financeiros para que acontecesse, agregou pessoas da área
cultural, pessoas com e sem deficiências, que investiram o seu tempo
na elaboração de diretrizes para uma maior participação de PcDs
na área cultural. Todo este esforço é para nada se depois ele não
é levado adiante.
No que se
refere aos editais, a questão é delicada e traz discussões não
só referente a participação de PcDs, mas também sobre editais de
dança e produtos culturais em geral. É importante lembrar sobre a
grande diversidade que existe de trabalhos de dança com a
participação de PcDs. Existem artistas que são PcD, existem
trabalhos diversos de dança feito com pessoas com e sem deficiências
juntas, existem trabalhos de dança feitos para PcDs (geralmente em
instiuições), existe a questão geral da educação em dança que
se deveria ter na escola e em academias de dança e que também devem
acontecer de forma a comtemplar a diversidade corporal das crianças.
Portanto, pensar sobre uma formatação específica de editais para
inclusão de PcDs não é muito simples, e pode cair na in-exclusão.
Penso que artistas PcDs e grupos estabelecidos de bailarinos com
habilidades mistas deveriam receber premiações de criação de
trabalhos, prezando pela sua qualidade artística, em qualquer
edital. É fato, que um certo desconhecimento sobre trabalhos feitos
por PcDs, pela maioria das pessoas que fazem o processo de seleção
dos editais, pode influenciar negativamente que estes artistas e
grupos sejam comtemplados nos editais. É fato, que ainda existem
paradigmas estéticos a serem mudados e que é preciso um maior
conhecimento sobre a diversidade dos trabalhos onde há a
participação de PcDs, para que se possa avaliar a qualidade dos
trabalhos. Porém, em última análise, a avaliação destes
trabalhos não seria diferente do que a avaliação dos elementos que
constituem qualquer outro trabalho de dança. Porém outro fato é
que, efetivamente, a dança feita por PcDs ainda não é muito
praticada e que há uma necessidade de investimento nas áreas
educacional e social para que se haja um maior fluxo de informações
e proliferação de trabalhos. Como tudo na vida, nada pode ser
generalizado! Há de se buscar, processar e desenvolver um
conhecimento maior sobre todas estas questões, se queremos sair de
um senso comum equivocado e construir um entendimento mais
consistente.
O
último dia do encontro, o domingo, foi bastante intenso! Iniciou com
a minha oficina – Sincronicidade e Conectividade da Relação Corpo
com o Espaço e do Corpo com Outros Corpos, e com a Oficina de
Carolina Teixeira – Corpocena, oficina em movimento: percepção e
autonomia criativa. Minha oficina introduziu o corpo no espaço e a
relação com outros corpos com atividades de improvisação dentro
da sala de aula. Carolina nos levou para rua, e finalizamos a manhã
com a sua oficina em uma praça próximo ao Espaço Xisto, a Praça
da Piedade. A praça era por si um
micro-organismo refletindo o macro-organismo social, com seus
frequentadores moradores da rua, contempladores sentados nos bancos,
crianças tomando banho de chafaris e com um sabonete fazendo da
borda do chafaris um escorregador, mães conversando num canto,
roupas extendidas na cerca, uma tela de televisão no meio de uma
bancada, um cachorro e um camaleão que se confrontavam (acreditem!
sim, um camaleão mora naquela praça!), com os sinos das igrejas
tocando melodias catóticas, milhares de pombos cagando das árvores,
dois policiais que passaram numa marcha lenta e sutilmente
pontuadora de um certo medo da sua presença, e todos os olhares e
corpos populando a praça! Nossa sensibilidade inflou com o
exercício de deixar-se afetar, ao invés de impor uma interferência
artística de forma autoritária. Este foi um encontro, dentro do
encontro O Que é Isso?, com as impossibilidades humanas, individuais
e coletivas, que vão além do esteriótipo da deficiência. Um
exercício sensível e doloroso de reflexão, que em pouco tempo nos
trouxe tanto significado!
O
Cirandão da tarde trouxe as convidadas Ninfa Cunha e Ana Rita
Ferraz, que apresentaram um trecho do seu trabalho, Projeto
Perspectivas do Movimento. No Cirandão Nádia
Francisco apresentou o trabalho que
realiza em Aracaju,
com aulas de balé para criancas cadeirantes e crianças sem
deficiências juntas. Uma iniciativa inédita na sua região, que
desafia conceitos estabelecidos sobre a estética e possibilidades do
balé, e traz oportunidades para as crianças de desenvolverem esta
dança juntas. O encontro foi finalizado com a apresentação de Edu
O. de Judite Quer Chorar Mas Não Consegue, no Palacete das Artes
Rodin Bahia, e após, com a mesa Discussões que Pertubam o Corpo
(Representação Midiática), com os debatedores Edu O, Clara Trigo e
Jefferson Beltrão, e mediação de Estela Laponi. Judite, de Edu O,
fechou o encontro com sua delicadeza, sensibilidade e humor. Com um
pouco de colo que, ao que parecia, era justamente o que estávamos
precisando naquele momento! A mesa de discussões nos trouxe um pouco
de frenesí por tratar de assuntos que nos evoca paixão e ao mesmo
tempo incomformação. Que visibilidade e espaço a dança tem na
mídia? Que imagem se tem perpetuado na mídia dos artistas PcDs? Que
mecanismos ocorrem nos meios de comunicação, na educação do
público, no que é popularizado, e nas ideías que o senso comum
prolifera sobre a dança e sobre a imagem dos bailarinos? Pelo fato
de a finalização do encontro ter sido ao ar livre, no espaço do
Palacete das Artes Rodin Bahia, não só pessoas convidadas e pessoas
do encontro participaram. Também participaram pessoas desavisadas
que estavam passando por ali, ou talvez estavam ali inicialmente por
outro motivo. Foi uma delícia ter finalizado o encontro assim, com
este pequeno público, um pouco mais de todos e não só de outros!
Vejam mais sobre o encontro e fotos no blog:
Em Salvador, recebi num pequeno vidro
as Gotas Divinas de Dona Dinorah (mãe de Edu).
Achei o máximo a idéia!
Então, já que
tinho sido convidada para dançar no programa Dança Lá em Casa do Dança Alegre
Alegrete, inventei de fazer "Gotas de Dança Contemporânea". Eu já
havia planejado que iria levar algum objeto à casa em que eu iria
dançar, daí as gotas de dança contemporânea foram perfeitas! E
elas também fizeram uma pasagem entre os encontros de Salvador e
Alegrete. Depois que Cláudia Muller fez dança por encomenda em casa, a idéia se reverberou! A proposta da Waleska Van Helden com o Dança Lá em Casa em Alegrete é, obviamente, diferente. Eu descobri a riqueza de apresentar uma dança nas casas, e esta foi uma experiência que me surpreendeu! Cada casa tem suas delicadezas, o universo de crenças, hábitos, valores, vivências e amores das pessoas que moram ali. Além disto, fazer uma dança especialmente em uma casa, para um determinado grupo de pessoas é algo bem especial e íntimo, é um acesso direto da dança com o público. Fiquei com vontade de mais, de descobrir outras casas e encontrar outras pessoas.
Depois daquela última corrida, me atirei na piscina!!
Em Alegrete também
dancei no programa de intervenções urbanas, na Maria Fumaça. Um
local onde eu havia dançado em 2003, e por isto foi super especial!
A
performance pontuava as marcas deixadas na Maria Fumaça... primeiro,
sobre a indiferença, a desvalorização e o desreipeito que
representavam as marcas ali colocadas por pessoas que deixaram seu
nome em tinta branca, e que foi cuidadosamente repintado de preto
durante a performance, numa tentativa de resgate. Na performance eu quis criar uma poética de traçados e trajetórias entre os
elásticos e a Maria Fumaça, entre a interação da locomotiva na
cidade no passado e no presente, e das vidas que ali desenrolam sua
história.
Em
25 de agosto de 1903 se ouviu pela primeira vez o silvo da
locomotiva, que inaugurava a trajetória da ferrovia entre Uruguaina
e Porto Alegre, passando por Alegrete. O
silvo da Maria Fumaça cortava a cidade com o seu som e anunciava uma
nova era de progresso e de encontros, com a facilidade de transporte!
Os festejos daquele dia duraram o dia
inteiro, com bandas de música, desfile do 2º Batalhão de
Engenharia e 30º Batalhão de Infantaria e champagne às pesssoas
que ali se achavam no momento da inauguração.
O som do silvo da locomotiva ouvido pela primeira vez trazendo
esperança, remete hoje à lembranças nostálgicas que também
delineam trajetórias do presente. O festejo, a comemoração
comunitária, marcaram um momento de
alegria e satisfação do povo alegretence. A performance apresentada
trouxe um pouco do significado destes elementos para nos fazer
pensar, sentir e valorizar trajetórias, ancestralidade e a história
que vivemos, também dando sentido e importância
aos espaços e monumentos da cidade. A
tensão dos elásticos trazia uma movimentação que podia ser fluida
ou presa, as vezes impedindo e outras dando suporte para o movimento.
Desta forma, a performance extendia suas analogias de vida a
expressão dos paradoxos de beleza e feiura, alegria e tristeza,
esperança e descaso, impedimento e resistência, assim, alcançando
uma complexidade maior de significados.
fotos Fernanda Stein
Vejam mais sobre o 23 Dança Alegre Alegrete no blog: